Desde que foi promulgada a Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos no Brasil (PNRS), muito se escreveu sobre os desafios jurídicos para a implementação dos sistemas de logística reversa pós-consumo, um dos principais instrumentos previstos para viabilizar a redução do impacto dos resíduos sólidos ao meio ambiente.
Mas uma análise fria das discussões e reflexões levadas aos mais diversos artigos demonstram que apesar de explorarem e muito os conceitos inovadores da PNRS, poucos abordaram os verdadeiros entraves práticos que barram a logística reversa, quais sejam:
(a) imputação de custos a setores desprivilegiados na cadeia de reciclagem, quando estes custos deveriam ser imputados para a cadeia de fornecimento de produtos, por exemplo para as indústrias que decidem quais embalagens serão colocadas no mercado;
(b) imputação de custos adicionas às municipalidades, sem que estas participem de qualquer discussão e/ou recebam qualquer estrutura adicional para o atendimento de obrigações que deveriam ser da indústria de produtos comercializados em embalagens.
Problemas que se resumem como falhas na correta distribuição do custeio do sistema de logística reversa, que seguem não resolvidos, aguardando-se ainda os desdobramentos da consulta pública sobre a proposta de acordo setorial proposto para embalagens em geral, realizada no segundo semestre de 2014, em plena campanha eleitoral.
O problema da individualização do custeio revela que não se tem dado a devida atenção à forma pela qual a responsabilidade de cada partícipe do sistema de logística reversa foi individualizada e, após, encadeadas, por força do artigo 33 da própria PNRS.
A diferenciação dos processos envolvidos na cadeia de fornecimento é essencial para a análise da responsabilidade pós-consumo estabelecida na PNRS. Não se discute o compartilhamento, mas não se pode aceitar a ideia de que este compartilhamento significaria a criação de uma obrigação solidária em cadeia, como pretendem muitos. O limite da responsabilidade se dá em razão da individualização e encadeamento desta responsabilidade, que representa a forma pela qual este compartilhamento deve ser implementado, o que equivale a dizer que a individualização da responsabilidade e o encadeamento representam os verdadeiros limites da responsabilidade pós-consumo.
E a individualização e o encadeamento da responsabilidade deve ser entendida como a forma de aplicação do compartilhamento desta mesma responsabilidade, o que afasta os conceitos de solidariedade e mesmo subsidiariedade. Solidária é a responsabilidade que atinge de forma igual, ao mesmo tempo e na mesma medida mais de uma empresa ou pessoa, tornando a obrigação específica exigível de qualquer uma delas, independente de ordem. Subsidiária é a responsabilidade que atinge uma empresa ou pessoa em razão do não cumprimento da obrigação original por uma outra empresa ou pessoa, devedora ou responsável originariamente. Na responsabilidade solidária, respondem todos ao mesmo tempo; na subsidiária, responde aquele que está obrigado originariamente e, na sua falta ou descumprimento, responde um terceiro. Equivale a dizer que o conceito de responsabilidade compartilhada exclui per se os conceitos de solidariedade ou subsidiariedade, justamente porque a responsabilidade compartilhada deve ser sempre individualizada e encadeada.
Veja-se: Art. 30. É instituída a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a ser implementada de forma individualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, consoante as atribuições e procedimentos previstos nesta Seção.
Outro bom exemplo desta individualização e encadeamento da responsabilidade, forma pela qual a PNRS busca compartilhar esta mesma responsabilidade, é a distinção feita entre a obrigação de estruturar e implementar sistemas de logística reversa, imputada aos fabricantes importadores, distribuidores e comerciantes de produtos comercializados em embalagens, e a responsabilidade que cabe aos fornecedores de embalagens é aquela prevista no §3º do artigo 33, de “(...) tomar todas as medidas necessárias para assegurar a implementação e operacionalização do sistema de logística reversa (...)”.
Assegurar a implementação e operacionalização naquilo que lhe cabe é obrigação e responsabilidade diversa daquela de estruturar e implementar sistemas de logística reversa, obrigação esta imputável aos fornecedores de produtos comercializados em embalagens. Assegurar é receber o material economicamente viável dentro do limite de sua capacidade para direcionar para reciclagem ou reuso. Não fossem diferentes as responsabilidades, a lei não as teria separado dentro do § 3º do artigo 33.
O compartilhamento da responsabilidade, de forma encadeada e individualizada, pressupõe também a individualização e encadeamento dos custos, que devem estruturados na forma com que ocorrem o encadeamento da cadeia de fornecimento dos produtos ao consumidor final, seguindo as responsabilidades individualizadas na PNRS. E é neste aspecto que encontramos a verdadeira e barreira para implementação de um sistema de logística reversa que possa de fato funcionar.
E ao contrário do que tem sido proposto recentemente, parece-nos que um decreto regulamentar buscando assegurar isonomia no cumprimento da PNRS não é a melhor forma de garantir tratamento não discriminatório entre fabricantes, em especial sem ter sido enfrentado corretamente o texto dos acordos setoriais propostos, exatamente em razão do risco de não se concretizar na prática a individualização da responsabilidade de todos os partícipes na cadeia de consumo, inviabilizando assim o corretado encadeamento destas e compartilhamento adequado dos custos relacionados.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-abr-08/rodrigo-roux-entraves-barram-logistica-reversa-pretendida-pnrs