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Desafios da Logística Reversa de pós-consumo no Brasil
Publicado na Revista Tecnologística de Maio de 2014, pp. 64 a 67
29/05/2014
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Afirmar que vivemos em um mercado crescentemente competitivo é cair em lugar comum, pois as evidencias estão por toda parte. O nível de informações permitido pelos atuais meios de comunicação sobre todas as atividades humanas tem se traduzido em impactos importantes sobre as atitudes e expectativas das empresas e de seus clientes, sejam clientes nas cadeias de suprimentos ou consumidores finais. 
 
A discutida globalização, característica marcante das décadas subsequentes aos anos 80, decorrente de melhorias nos transportes, tecnologia e comunicações, entre outros aspectos, contribuiu para o aumento exponencial das quantidades de produtos fabricados e distribuídos em todos os micro segmentos de mercados em todas as partes do mundo, Da mesma forma criou uma busca incansável por inovações e diversificação dos produtos, resultando em ciclos de vida mercadológica cada vez menores. E, embora isto se observe principalmente nos itens de  tecnologia de informática e comunicações o fenômeno ocorre, em maior ou menor grau, em todos os setores do consumo. Como resultado, tem-se um volume cada vez maior de produtos retornados, seja para remanufatura e reuso, seja para a correta destinação final.
 
A logística reversa é a área da logística empresarial que fecha o ciclo dos fluxos logísticos empresariais tradicionais da chamada logística direta: de suprimentos, internos à organização e de distribuição de mercadorias na direção do mercado, ocupando-se com os diversos fluxos de retorno de mercadorias, sob a forma de produtos de pós-venda ou de pós-consumo. 
 
Embora utilizando as mesmas técnicas e ferramentas da logística direta, mas por tratar de retorno de produtos a Logística Reversa tem sua atividade relacionada com a satisfação dos clientes e com garantia de sustentabilidade empresarial. Empresas estrategicamente perspicazes percebem o seu impacto no relacionamento com os clientes e com o público em geral, e pelo reflexo em sua imagem.   
 
A experiência tem mostrado que as empresas se posicionam de forma diferente ao tratar do retorno de produtos ainda não usados (defeitos em geral, assistência técnica, legislação, recall, etc.) e do retorno de produtos já usados (fim de vida útil, obsoletos, etc.) denominados as operações voltadas a cada um deles, respectivamente,  Logística Reversa de pós-venda e de pós-consumo conforme LEITE (2003).
 
As condições peculiares do retorno de produtos usados ou Logística Reversa de pós-consumo justificam de certa forma esta diferença de comportamento. Algumas delas podem assim ser destacadas:   
 
O tempo decorrido entre a transação de venda e o retorno do produto usado é em geral longo para produtos duráveis. 
Os produtos ou matérias primas recuperados concorrem no mercado, direta ou indiretamente, com os produtos ou matérias primas originais, evidenciando conflitos de interesses de intensidade variada dependendo do setor.  
A responsabilidade pelo equacionamento da Logística Reversa do retorno destes produtos é “difusa” entre o fabricante, os distribuidores e os varejistas.
O retorno de produto usado que possui componente de valor agregado alto tem interesse diferenciado daquele que não o possui, gerando condições de retorno radicalmente diferentes. No primeiro caso existe necessidade de um fator modificador de mercado pois o retorno, mesmo que não organizado eficientemente, acontecerá pela remuneração natural dos participantes das cadeias reversas.
O retorno de produtos usados cujo valor agregado de um de seus componentes não justifica economicamente uma cadeia reversa organizada requer um fator modificador de mercado que vem em forma de uma legislação.
Os custos das operações de retorno de produtos usados são geralmente relevantes, pelas características dos produtos, pela rede logística reversa que não aproveita a sinergia da rede de ida para o mercado, pela necessidade de processamentos intermediários ou embalagens especiais, pela eficiência operacional baixa, etc.

A “difusa responsabilidade” entre os agentes envolvidos com a Logística Reversa de pós-consumo, assim como o impacto causado no mercado pelos produtos ou matérias primas reaproveitados, parece justificar a demora observada na implantação de alguns programas organizados de Logística Reversa no país. 

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS - lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010) e sua regulamentação (decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010), coloca o ônus do equacionamento da Logística Reversa dos produtos usados sobre as empresas das cadeias de suprimentos que levam os produtos ao mercado, enfatizando um dos aspectos acima mencionados, o compartilhamento de responsabilidades. 

Dos produtos relacionados na PNRS: I - agrotóxicos, II - pilhas e baterias; III - pneus; IV - óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; V - lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; VI - produtos eletroeletrônicos e seus componentes, somente os dois últimos não apresentavam legislação própria à época da promulgação da PNRS. Para todos estes produtos foi previsto na lei a obrigação de retorno de suas embalagens.

Deixar às empresas e seus órgãos associativos a organização dos planos setoriais de Logística Reversa a serem transformados posterirormente em Acordos Setoriais foi a solução adotada, no entanto a heterogeneidade de produtos a serem logisticamente tratados e a experiência acumulada diferem entre os diversos setores.

Vale lembrar que os setores de Agrotóxicos, Pneus e Óleos Lubrificantes, com programas de Logística Reversa implantados há mais de 10 anos, embora com desempenhos diferentes entre si apresentam avanços interessantes. O caso das embalagens de Agrotóxicos pode ser considerado um benchmark nacional e internacional, caracterizando-se por uma legislação especifica em seu acordo setorial que o distingue pela participação de todos os elos da cadeia. 

De uma forma geral os desafios da Logística Reversa são relevantes pelas características dos produtos retornados e pelas condições gerais de heterogeneidade dos produtos, que determinam soluções logísticas adequadas a cada caso. Citemos somente como lembrança a forma de coletar, transportar, armazenar, consolidar, processar industrialmente, selecionar e destinar os produtos ou materiais constituintes, que exigirão diferentes soluções. 

Aspectos como localizações das fontes de entrada do produto na cadeia reversa, dimensões físicas e peso do produto; densidade; estado físico; periculosidade, fragilidade, valor agregado do produto; quantidades disponíveis nos locais de coleta; necessidade de embalagem; processamentos prévios para movimentação; etc., exigirão igualmente soluções adaptadas a cada caso.

Portanto a identificação e equacionamento de todos estes aspectos citados, bem como as informações correspondentes entre os diversos elos das cadeias reversas são vitais para a sua eficiência. 

A execução da PNRS oferece adicionalmente desafios próprios de diversas naturezas que examinamos sucintamente.  

1) Conflito de interesses

Duas categorias de conflito podem ser lembradas: entre empresas produtoras originais e empresas de reaproveitamento de resíduos e entre os elos das cadeias diretas. 

O reaproveitamento inteligente de matérias primas e componentes podem ser inseridos nas estratégias empresariais, evitando o que Christensen e Raynor(2003) chamam de “disruptura” de mercado, ou seja, a criação de concorrentes com qualidade de produto equivalente e com preços reduzidos, gradativamente aceitos pelo, pela redução de preconceitos e existência de certificações de qualidade.

Ações colaborativas, inovadoras e pragmáticas entre fabricantes, distribuidores, comerciantes e inter setoriais, poderão transformar problemas de compartilhamento de responsabilidades em oportunidades de negócios.
    
2) Divulgação da PNRS 

Pesquisas confirmam e a observação permite identificar a falta absoluta de notícias e informações na mídia em geral acerca da PNRS. O público consumidor não está absolutamente informado e os principais agentes envolvidos com a Logística Reversa estão pouco informados acerca das resoluções e dos objetivos principais da PNRS. 

Torna-se imperativo melhorar este cenário através de divulgação, por parte de governo e empresas responsáveis e envolvidas na PNRS, de forma a dar ciência e permitir a consecução de ações e obtenção de resultados. Informações sobre as resoluções e discussões realizadas nos comitês da PNRS deveriam vir a público com alguma frequência, permitindo que aquele agentes diretamente interessados nos programas futuros possam assegurar e avaliar os recursos necessários para sua consecução. 

É de conhecimento geral a existência de preconceitos sobre os produtos reaproveitados ou com conteúdo de reciclados, que poderiam ser bem entendidos e aceitos através de divulgação adequada, além do que poderiam incentivar a certificação de qualidade destes processos e dos itens deles resultantes. 

3) Desafios dos Transportes 

A logística reversa e a PNRS sofrem as dificuldades geradas atualmente pela distorção na matriz de transporte brasileira, que tem uma predominância de mais de 60% do modal rodoviário. Como característica, os produtos de pós-consumo apresentam valor agregado e relação peso/volume baixos, exigindo modais de baixo custo. Os mais indicados nestes casos são os de cabotagem e fluviais, que sabemos serem pouco disponíveis e incentivados no país. Muitos são os exemplos de cadeias reversas de produtos usados, embora com tecnologia disponível e processos dominados, que não são factíveis devido aos custos de transporte nas enormes distancias brasileiras. 

Este cenário não será resolvido em curto prazo e, será necessário conviver com ele por muito tempo, além de representar um desafio futuro.

4) Desafios no Reaproveitamento 

O parque industrial das cadeias reversas de reaproveitamento de produtos usados no Brasil caracteriza-se pela sua dispersão geográfica e por ser constituído por micro ou pequenas empresas, com intensivo uso de mão de obra e baixa tecnologia, redundando em produtividade também baixa. As estimativas mais recentes para o Brasil revelam que as capacidades existentes não serão suficientes para o tratamento das quantidades previstas pela PNRS. 

Processos de reaproveitamento com tecnologia e normas de trabalho adequadas, tanto quanto outros processos industriais, podem ser realizados com produtividade e sucesso empresarial. Normalmente os produtos que tiveram sua reciclagem ou remanufatura realizadas com rigor de processos e em condições corretas, apresentam custos inferiores aos produtos ou matérias primas originais e sua reintegração ao processo produtivo é o objetivo principal da PNRS.

Deveríamos portanto estar presenciando um avanço importante nesta área, inclusive com incentivos de diversas naturezas, para a adequação do parque industrial de reaproveitamento no Brasi

Será necessário o aumento de escala e melhoria significativa de tecnologia para a garantia de sistemas organizados de reaproveitamento. Torna-se necessário, outrossim, a geração de empresas de porte maior que trabalhem com normas e certificações, que possam garantir um trabalho racional e profissional nesta área e para que haja consistência de produção e qualidade nos resultados. Ainda encontra-se em estágio embrionário a normatização e certificações que possam garantir consistência em qualidade nesta área. Leite (2013), baseado em estudos brasileiros, menciona que no caso dos eletroeletrônicos as condições industriais estão aquém das necessidades futuras possíveis para o reaproveitamento mesmo que parcial do “lixo eletrônico” brasileiro. 

5) Custos gerais de Logística Reversa

Embora os custos de reaproveitamento, realizados com escala, qualidade e com processos adequados sejam compensadores de uma forma geral, os custos de Logística Reversa propriamente dita, ou seja, os custos operacionais de coleta, transporte, manuseio, etc., são por natureza altos, quando comparados com a logística direta. 

Neste sentido, embora se saiba que alguns dos desafios acima mencionados sejam de longo prazo, algumas oportunidades existem, como por exemplo:
Adequação dos projetos dos produtos às necessidades de reaproveitamento reduzindo os custos envolvidos. Isto envolve uniformização de materiais, redução de soldas e ligações permanentes, identificação das partes, uso dos conceitos de rastreabilidade, etc.
Organização eficiente da rede de atividades da Logística Reversa: formas de coleta, transportes, localização destas atividades, processamentos intermediários, etc.   
Aumento das escalas de atividades em todas as áreas das cadeias reversas de pós-consumo propiciando melhores tecnologias, consistência e qualidade nas atividades.
Implantação tecnologias de tratamento de resíduos sólidos com alto desempenho para escalas maiores.
Destinação de recursos adequados para capacitação de mão de obra qualificada e recursos em equipamentos.  
Adequação de soluções e incentivos governamentais para áreas industriais e comerciais que estejam envolvidas com a execução de programas de Logística Reversa. Este aspecto é de vital importância na medida em que, além das conhecidas tributações redundantes que oneram muito os produtos reaproveitados e o seu uso posterior, seriam necessários incentivos em forma de financiamentos para melhorias tecnológicas, condições especiais de transporte, entre outras providencias e inovações necessárias a esta área, que poderá gerar um PIB de economia reversa considerável, além de apreciável quantidade de empregos. 
 
Planos de Logística Reversa referindo-se à PNRS têm sido apresentados com certa frequência, principalmente na esfera estadual, através de chamamento para “compromissos setoriais” estaduais, provavelmente com a intenção de intensificar ações e reduzir os prazos de instalação de programas de Logística Reversa nas unidades da Federação. No entanto, é baixa a percepção, da sociedade e dos envolvidos com estas áreas, de ações efetivas de implantação destes programas de Logística Reversa.

Embora as dificuldades para a implantação de programas de logística reversa apresentadas acima sejam muitas, os prazos estipulados pelos responsáveis do governo já foram há muito superados. Aguardamos esperançosos que sejam postos em prática.
 
Referencia bibliográficas 
CHRISTENSEN, CALYTON M. E RAYNOR MICHAEL E. – O Crescimento pela Inovação – editora Campus , São Paulo, 2003.
LEITE, PAULO ROBERTO – Logística Reversa – Meio Ambiente e Competitividade – editora Pearson Education Selo Prentice Hall , São Paulo, 2003.
LEITE,PAULO ROBERTO - Peculiaridades Da Logística Reversa De REEE (Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos)- Revista Tecnologistica abril 2013 
 
AUTOR : ENGº PROF. PAULO ROBERTO LEITE 
UNIVERSIDADE MACKENZIE 
PRESIDENTE DO CLRB LOGISTICA REVERSA  
 
Fonte: Paulo Roberto Leite

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