Em 2010, um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) colocava o Brasil na liderança entre as nações emergentes na geração de lixo eletrônico per capita a cada ano. O relatório apontava que o lixo eletrônico descartado por pessoa, no país, equivalia a 0,5 quilo por ano. Os números são questionados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). A gerente de Resíduos Perigosos do ministério, Zilda Veloso, considera os dados inconsistentes, porque a Organização das Nações Unidas (ONU) utilizou uma metodologia europeia baseada na comercialização. Mas o governo brasileiro não tem números sobre aquisição de produtos eletrônicos.
“Se a gente não tem dados do mercado de comercialização, como é que eles chegaram àqueles números? Não tem sentido”, argumenta Zilda Veloso.
O MMA manifestou formalmente seu posicionamento contrário ao relatório da ONU, por meio do Itamaraty. E elabora, no âmbito da Política Nacional de Resíduos Sólidos, um estudo de viabilidade técnica e econômica, que deve apresentar informações sobre a geração de resíduos desse tipo. A previsão é que o estudo seja divulgado em quatro meses _ portanto após a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, programada para junho próximo, no Rio de Janeiro. O projeto é do Grupo Técnico Temático de Eletroeletrônicos, do Comitê Orientador para Implementação de Sistemas de Logística Reversa.
“O estudo vai referendar se é possível fazer o recolhimento e destinação desse tipo de resíduo agora ou não”, disse. Na logística reversa, os fabricantes vão assumir a responsabilidade para a destinação do equipamento pós-uso. Zilda não descarta que parte dessa responsabilidade recairá sobre o consumidor. Ela destacou a importância da conscientização do cidadão nesse processo. “Nada vai funcionar se o consumidor não fizer o descarte adequado”.
Segundo Zilda, o estudo vai captar as possibilidades de reciclagem de eletroeletrônicos. “O objetivo não é só fazer o retrato do setor, mas saber se o setor tem hoje condições de fazer a logística reversa”. O estudo vai dizer o comportamento do consumidor, o tipo de consumo que existe no Brasil e quais são os bens consumidos. Com base nesses dados, o governo terá condições de avaliar se é possível fazer a logística agora ou não. “Uma das coisas que ele vai levantar é uma estimativa de geração de resíduos atual”.
O comitê orientador é coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e tem a participação dos ministérios da Saúde; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; e da Fazenda. No ano passado, o comitê decidiu que a regulamentação das cinco primeiras logísticas será feita por meio de acordo setorial. São as logísticas de eletroeletrônicos; embalagens plásticas de óleos; lâmpadas; embalagens em geral; e medicamentos.
A logística que se acha mais adiantada é a de embalagens plásticas de óleos lubrificantes. A regulamentação está indo para consulta pública da proposta de acordo setorial em, no máximo, 30 dias. A regulamentação de eletroeletrônicos tem início previsto para 2013. “Porque é uma cadeia bem complexa. Pega desde celular até um aparelho hospitalar, como tomógrafo”, disse a gerente do MMA.
Ela ressaltou também a figura do catador na logística reversa. Adiantou, entretanto, que caso ele venha a ser incluído no processo, terá de ser treinado para poder separar os produtos eletroeletrônicos.
O professor de engenharia ambiental da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Haroldo Mattos de Lemos, não vê motivos para ter melhorado a posição brasileira no ranking de lixo eletrônico gerado entre os países emergentes. Lemos preside o Instituto Brasil Pnuma, que é o Comitê Brasileiro do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Ele avaliou que não foram “plantados” no país grandes programas para reduzir o volume de lixo eletrônico. “Existem algumas iniciativas de reciclagem, mas eu acredito que elas estão sendo suplantadas pelo crescimento do volume de aparelhos que é descartado”. Sua impressão é que o lixo eletrônico está aumentando no Brasil.
Projeto capacita catadores de 53 cooperativas
Adestinação correta dos resíduos eletrônicos levou o Instituto Gea-Ética e Meio Ambiente a implantar, em janeiro do ano passado, em parceria com o Centro de Descarte e Reuso de Resíduos de Informática (Cedir), da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP),o projeto Eco-Eletro (Segurança+Renda), de capacitação de cooperativas de reciclagem.
O projeto é patrocinado pela Petrobras e leva dez catadores por mês para os bancos da Poli-USP, onde aprendem como lidar de forma segura e mais rentável com o lixo eletrônico.
A presidenta do Instituto Gea, Ana Maria Domingues Luz, disse à Agência Brasil que a entidade percorre depois as cooperativas, para constatar se os catadores estão aplicando, na prática, o que aprenderam no curso.
Uma das catadoras formadas pelo projeto é Selma Maria da Silva, do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). “Para a gente, foi muito bom, porque nós já estamos trabalhando com lixo eletrônico”, declarou. Os catadores formados viram multiplicadores dos conhecimentos obtidos nas cooperativas. Selma faz parte da Cooperativa Nova Esperança, localizada em São Miguel Paulista (SP), onde já há um posto coletor implantado para esse tipo de equipamento.
Além dos catadores, o Instituto Gea recebe, também gratuitamente, outros interessados nos cursos do projeto. São pessoas de comunidades, de organizações não governamentais, das prefeituras, além de apoiadores e jornalistas. “Tem sido muito interessante porque, ao mesmo tempo em que estamos disseminando informações sobre os problemas de como descartar o lixo eletrônico, isso permite que pessoas de diferentes níveis econômicos possam conviver em sala de aula e, às vezes, diminuir preconceito”, destacou Ana Maria.
O projeto Eco-Eletro se estenderá até o final deste ano. A perspectiva é ter até dezembro mais oito turmas de catadores. A presidenta do Instituto Gea admitiu que existe a possibilidade de renovação do patrocínio da Petrobras para o projeto, mas com algumas modificações. “A ideia, disse, é dar mais condições para expandir o conhecimento para outras localidades do Brasil, uma vez que o projeto não dispõe, no momento, de recursos para pagar a estadia e alimentação para catadores de outras cidades”.
Ana Maria estimou que a questão do lixo eletrônico terá maior divulgação quando for implantada a logística reversa (devolução do produto após o consumo aos fabricantes). O mecanismo abre possibilidade de parceria dos catadores com as próprias empresas e irá beneficiar também a população brasileira como um todo.
(*) Com informações da Agência Brasil.