Uma das perguntas mais frequentes que tenho escutado ultimamente é por que o tema “logística reversa” tem tido tanta visibilidade. Isso tem acontecido no Brasil, e em todo mundo, devido a enorme quantidade e variedade de produtos, com ciclos de vida cada vez mais curtos, que vão para o mercado visando satisfazer aos mais diversos segmentos. Esta profusão de mercadorias multiplica a necessidade de retorno tanto dos itens ainda não consumidos como daqueles já utilizados, e que algumas vezes ainda apresentam condições de uso, porém estão defasados mercadologicamente.
A logística reversa tem como foco de atuação o equacionamento do retorno de produtos (consumidos ou não), dando a destinação adequada a eles, de forma a recapturar valor econômico. O processo é realizado de forma a obedecer à determinação legal, na prestação de serviços aos clientes, na cadeia de suprimentos e aos clientes finais através da assistência técnica.
Neste sentido, o Conselho de Logística Reversa do Brasil – CLRB – tem como objetivo divulgar os conceitos e práticas empresariais em logística reversa, melhorar a capacitação profissional nesta área e auxiliar empresas das cadeias diretas e reversas, realizando diagnósticos e consultoria especializada.
No caso do retorno de alguns produtos usados – a chamada logística reversa de pós-consumo –, destacam-se as cadeias reversas cujo retorno acontece em “condições econômicas naturais”, pela lucratividade da utilização de componentes ou de suas matérias-primas, obedecendo a objetivos econômicos puros. Na diversidade de cadeias reversas de retorno, distinguem-se algumas bastante organizadas e eficientes, como as de peças remanufaturadas no setor automotivo, e outras informais pouco eficientes, como as de metais em geral, movidas por rentabilidade em todas as fases.
Não existindo tais “condições econômicas naturais”, que estimulem a cadeia reversa, nem uma destinação adequada dos produtos usados, as quantidades crescentes dos produtos descartados dão origem à “poluição por contaminação”, produzida por materiais nocivos ao meio ambiente, presentes nesses produtos; ou à “poluição por excesso”, com consequências negativas para a vida urbana. Faz-se necessária, dessa forma, a intervenção do que denominamos “fator modificador de mercado”, de modo a viabilizar a cadeia reversa.
A legislação regulatória de retorno de produtos torna obrigatória a implantação da logística reversa, visando equacionar logisticamente o retorno destes produtos. Com um tempo de tramitação bastante longo, permite aperfeiçoamentos diversos, tais como a introdução de capítulos destinados à logística reversa de pós-consumo e certamente, ainda com algumas falhas, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que foi sancionada pelo Governo Federal, sob o número de Lei 12.305, em 2 de agosto de 2010, e regulamentada em 23 de dezembro de 2010 pelo Decreto nº. 7.404 (veja reportagem).
Em linhas gerais, a PNRS segue o modelo europeu no qual a responsabilidade pelo retorno dos produtos usados, na Lei denominados resíduos sólidos, é confiada às empresas da cadeia produtiva direta e aos consumidores finais, em um tipo de compartilhamento de responsabilidades. Surge, portanto, a necessidade das empresas destas cadeias implantarem os programas de logística reversa para seus produtos, após o ciclo de vida dos mesmos ser completado.
É importante destacar que o retorno de produtos é uma tarefa complexa, exigindo técnicas peculiares e capacitação profissional adequada. O fluxo reverso é composto resumidamente por etapas de entrada do produto na cadeia reversa através de sua coleta; armazenagem de consolidação, com ou sem processamento para garantir condições de transporte; seleção e destinação dos produtos, para o processamento industrial de reaproveitamento; remanufatura ou reciclagem dos materiais; e, evidentemente, a redistribuição ao mercado consumidor. Estes passos constituem a logística reversa operacional, com características específicas para cada tipo de produto (peso, densidade, geometria, embalagem etc.), tais com a localização de fontes e origem dos mesmos, transporte adequado e uso de sistemas de informação adequados a cada caso, entre outros aspectos.
O retorno eficiente dos produtos exigirá um mercado para os produtos ou materiais reaproveitados, investimento em instalações de reaproveitamento, tecnologias adequadas, garantia de remuneração de todos os elos da cadeia reversa e a implantação de uma rede logística reversa com instalações em locais adequados nas diversas fases do retorno, bem como as demais decisões logísticas de transporte e de informações.
A Europa tem sido fonte de inspiração para os principais modelos utilizados pelo resto do mundo e, no Brasil, por força de leis anteriores, existem diversos modelos de programas de logística reversa que poderão servir de benchmarking (busca das melhores práticas para melhoria do desempenho), salientando-se sempre a necessidade de adaptação pelas características próprias de cada tipo de produto e, sem dúvida, pela existência de sistemas de coleta informal (catadores).
Em todos os modelos conhecidos de retorno de produtos sob “condições catalisadas” por legislações, o custo da logística reversa é garantido pela cadeia direta, através de diferentes sistemas de participação do consumidor final. Alguns modelos preconizam o pagamento de uma taxa no momento da compra do produto; outros usam o chamado selo verde, que é subsidiado pela cadeia produtiva em função de sua produção; e outros, ainda, usam sistemas mistos. Admitindo-se que haja participação representativa das empresas do setor, não haveria desbalanceamento na concorrência de preços. O consumidor final arcará indiretamente com os custos, porém os benefícios para a sociedade serão muitos.
Pelo exposto, pode-se perceber que a execução e eficiência dos programas de logística reversa previstos na PNRS deverão levar em conta as condições expostas e que suas implantações serão gradativas. Da parte das associações de produtos, envolvidas ou não pela legislação atual, espera-se a mobilização e a utilização da inteligência existente no mercado, no sentido de se preparar para este novo cenário que se abre no Brasil.
A inteligência de mercado em logística reversa, oferecida pelo CLRB e outras empresas e entidades, deve potencializar redes logísticas reversas através do que denominamos “sinergias transversais”, ou seja, a cooperação entre os diversos setores envolvidos. Dessa forma, será possível a ampliação do sistema setorial para “sistemas de redes reversas”, somando as cadeias reversas individuais, otimizando custos e escala de atividades.
O plano setorial solicitado pelos Comitês Interministeriais, criados pela PNRS para este fim, exigirá das empresas, industriais e comerciais, o entendimento e o equacionamento de todos os aspectos analisados, que envolvem as diversas etapas da logística reversa. Isso deverá resultar no levantamento de importantes dados para a segmentação logística de seus produtos, na criação de grupos de trabalho, na escolha e adaptação de modelos, do plano de implantação, entre outros.
Oportunidades
À medida que os programas forem implantados, crescerão as quantidades de produtos usados a serem reaproveitados e, como consequência, teremos ainda maiores oportunidades de negócios em logística reversa: operadores logísticos, recicladores, transportadores, empresas especializadas na seleção e destino de produtos retornados, na gestão de resíduos sólidos, em aterros sanitários. Além disso, novas tecnologias para o tratamento de maior quantidade de produtos serão necessárias. Simultaneamente, teremos ainda um crescimento de oportunidades de carreira e de consultorias nestas áreas.
Observa-se atualmente um movimento intenso de grupos empresariais verticalizando ou terceirizando suas operações, empresas abrindo novas frentes de trabalho para este novo cenário e grupos de investimento entrando no mercado. Com certeza este novo cenário da logística reversa de pós-consumo no Brasil aumentará de forma apreciável a economia movimentada.
*Paulo Roberto Leite, engenheiro industrial, professor e pesquisador na Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde idealizou e coordenou o curso de pós-graduação em Logística Empresarial. Autor do livro Logística Reversa – Meio Ambiente e Competitividade (2003). É presidente do Conselho de Logística Reversa do Brasil.
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